O Dia Mundial das Bibliotecas celebra-se a 1 de julho. Esta data visa reconhecer a importância das bibliotecas na educação e formação das pessoas, promovendo a leitura e o acesso ao conhecimento.
Torre de Memórias
Sara Filipe, 29 anos, nasceu no Hospital de Évora, mas é natural de Mora, no Alentejo. Tirou relações internacionais e concluiu o curso com o programa de Erasmus na República Checa, em 2019. Iniciou-se como assistente técnica na Câmara Municipal de Mora e neste momento é a responsável pela Biblioteca Municipal de Mora (BMM), que foi inaugurada no dia 8 de março de 2025, um projeto em franco desenvolvimento.
Estavam precisamente 32 graus às 11:00 da manhã. O calor alentejano faz-se sentir desde cedo.
Olho para cima para observar o charmoso relógio da velha torre e eis que à hora certa tocou uma vez mais.
Mas ao entrar na biblioteca o ambiente muda. Um edifício fresco, com paredes grossas que travam o calor e o frio, mas sobretudo com um sabor a livros à espera de serem lidos.
A primeira questão que coloquei à Sara foi precisamente a história daquele edifício. Da Torre do Relógio, que se situa mesmo à frente da Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Graça. A matriz da vila de Mora.
“A Biblioteca Municipal de Mora foi inaugurada no dia 8 de março de 2025 e está localizada no primeiro piso da Torre do Relógio, na Praça Conselheiro Fernando de Sousa.
Curiosamente, a Torre do Relógio é, pela segunda vez, o local escolhido para a biblioteca municipal.
Em dezembro de 1910 foi inaugurada a primeira biblioteca, por José Agostinho Pereira e Sousa, e pela sua irmã D. Maria Arcângela Cardoso Feio. Posteriormente, e muito resumidamente, foi a Fundação Gulbenkian que tomou a responsabilidade da biblioteca.
Anos depois, acabou por se deslocar a biblioteca para a Casa da Cultura e mais recentemente e com alguns anos de inatividade, por vontade do executivo e para o bem da população, reabriu-se a atual biblioteca na Torre do Relógio.
O edifício foi alvo de requalificação, e agora alberga a biblioteca municipal, o posto de turismo e o gabinete de informação.
O projeto começou no ano de 2024, com o apoio da Biblioteca Pública de Évora (BPE), fazendo-a um polo da BPE.
Na ascensão desta nova biblioteca, foi necessário fazer uma limpeza dos livros que estavam em extremo estado de degradação e uma escolha dos livros em bom estado e com interesse para o leitor, faltando ainda a catalogação de acordo com as normas atuais.
A restante coleção de livros foi fornecida pela BPE e conta com a ajuda da Sara no processo de escolha e catalogação das obras.
A biblioteca tem neste momento uma coleção de cerca de 1120 livros, não contando com os restantes por catalogar.
O projeto tem dois espaços – A sala de leitura geral, que contém a coleção de livros para adultos e o espaço infantil.”
A frescura percorre toda a torre, consoante vamos percorrendo as imensas estantes, que contam já com um recheio significativo de obras prontas a serem lidas.
Há uma particularidade que me saltou à vista de imediato. Não há canto que não tenha luz natural e os espaços para nos sentarmos também não faltam. Uma verdadeira torre de luz.
Como é evidente passámos a uma das questões mais relevantes, que é a relação de uma biblioteca com o povo.
A Sara Filipe disse-me que a biblioteca deve ser um espaço de todos, e para todos.
“A biblioteca é, no seu estado mais puro, onde ganhamos conhecimento e sabedoria, através dos livros. E se não for na biblioteca que o fazemos, pelo menos é da biblioteca que levamos o livro que nos vai permitir saber mais. Ou ler algo que simplesmente gostamos, para enriquecer a mente e viajar mentalmente para outro lado.”
É um local de estudo e concentração, onde se pode estudar sozinho ou acompanhado, onde os pais podem vir com os filhos, ou os avós com os netos, e por aí fora, para lhes ler e passar a sabedoria que os livros contêm. É, por isso também, um local de partilha.
“A biblioteca é de todos, e não olha a gostos e idades. As bibliotecas pelo mundo fora já formaram muitas pessoas brilhantes, e com certeza foram o local onde se estudou para descobrir muitas curas ou invenções. E podemos, pelo menos, esperar que assim continue.”
Apões dois dedos de conversa sobre as obras que íamos observando nas prateleiras, perguntei-lhe o que se pode guardar de um livro?
“Para mim, os cenários, os ensinamentos e o que nos fazem sentir. Tenho uma imaginação fértil e consigo imaginar cenários com facilidade, e por isso, há livros que me fazem viajar enquanto estou apenas sentada. Há livros com grandes lições de coisas que já vivemos, ou que ainda nem vivemos, mas que nos ensinam tanto e nos ajudam a navegar pela vida.”
Hoje em dia o espaço recentemente aberto conta semanalmente com 3 a 4 leitores - uns novos, outros que já são habituais - a fazer empréstimos da coleção já catalogada.
Nos fins de semana há uma maior afluência do público infantil com os seus familiares.
Desde a abertura, há pessoas que usam o espaço simplesmente para trabalhar ou estudar. Considera-se desde já um saldo positivo com a quantidade de leitores que variam entre os 6 e 80 e tal anos, que dão sugestões e requisitam livros em que têm interesse.
Na Biblioteca Municipal de Mora podemos encontrar todo o tipo de obras que se podem esperar de uma biblioteca funcional e de interesse para todas as faixas etárias. Desde generalidades, filosofia, poesia, literatura portuguesa e estrangeira, religião, história, biografias, ciências sociais, ciências exatas e naturais, arte, música, desporto e lazer, etc. Para os mais jovens, temos banda desenhada e literatura juvenil e uma boa secção de literatura infantil. Todos os livros são fornecidos pela Biblioteca Pública de Évora.
Enquanto observávamos as crianças a refrescarem-se nos repuxos de água existentes na praça, quis saber mais sobre o envolvimento da autarquia em todo este processo.
“Sim, fundamental. Foi a própria a tomar a iniciativa para dar início a este projeto e deu o seu apoio em todas as etapas, fosse nas mais formais, ou nas mais práticas. Esta obra e ideia veio principalmente da necessidade de fornecer à população um serviço a que têm direito e de dar uma nova vida ao espaço renovado, que noutros tempos também foi biblioteca. A autarquia continua a apoiar, especialmente no que toca à manutenção e à promoção do espaço que temos, com eventos de interesse para a população.
Paro propositadamente ao lado dos Lusíadas de Luís Vaz de Camões e pergunto à Sara se acha que os livros têm alma.
“De facto, é algo em que nunca tinha pensado... Acho que cada vez que leio um livro levo um pouco dele comigo, enriquecendo assim a minha alma. Mas o livro não se escreve sozinho, há um criador por detrás de cada obra que partilha, lá está, a sua criação. Faz-me pensar que o livro é apenas um objeto de passagem, de mão para mão, que vai tocando e alterando a alma de quem o lê. Mas a verdadeira essência vem da alma de quem o escreveu”.
E após a sua surpreendente resposta, coloco-lhe uma outra questão.
E se os livros falassem com qual gostaria de ter uma conversa?
“Tenho a certeza que ao longo da minha vida irei desejar conversar com vários livros. Mas, recentemente, por sugestão de um leitor da biblioteca, li "Jesus Cristo bebia cerveja", de Afonso Cruz. Achei leve e pesado, e complexo e simples, tudo ao mesmo tempo. Adorava conversar com alguns personagens, pelo menos.
Despedi-me da Sara e à hora certa o relógio da torre tocou uma vez mais. Irá certamente continuar a fazê-lo mais uns tempos e até quem sabe durante mais uns séculos, mas desta vez novamente na companhia dos livros.
Estou certo que os irmãos José Agostinho Sousa e Maria Feio estarão orgulhosos por se ter dado de alguma forma continuidade ao projeto inicial da biblioteca da Torre do Relógio, que ainda hoje guarda em papel histórias de amor, ficção e poesia, entre outras.
NOTAS:
"Por ser o local de nascimento do Concelho de Mora, a importante Torre do Relógio, situada no centro da vila de Mora, faz parte do edifício com construção do século XVI e que em tempos deu lugar aos Paços do concelho. Edificado, não se sabe ao certo se antes ou depois de Mora ter recebido Foral Manuelino (23 de novembro de 1519). A última valência foi de biblioteca, fundada em 1910, por dois irmãos (José Agostinho Sousa e Maria Feio)."
© Carlos M Almeida

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