Só…as verdades de Paula
Dia Mundial do Teatro Só…as verdades de Paula Maria Paula Pereira dos Santos Silva, mais conhecida por Paula Só, natural da Penha de França, tem 72 anos. “Quando comecei no teatro tive obrigatoriamente de me inscrever no sindicato e quando lá cheguei uma das questões que me colocaram foi a do nome artístico. Disse-lhes, Paula, porque queria mesmo ser Paula, mas responderam-me que não podia ser só Paula. E foi então que lhes disse, se não pode ser só Paula, então fica Paula Só”. A essência do teatro entra-lhe através do espelho da casa de banho, ainda em miúda. Fechava-se no WC, acendia uma vela para manter o ambiente mais “escurinho” e punha-se a fazer caretas - umas feias e outras tantas mais bonitas – e sentia atração por coisas “estranhas”. “Punha-me no quintal a observar os meus pais, através dos vidros da porta que separava o pequeno jardim da sala de jantar. Encostava-me aos vidros para captar as suas conversas e pensava que aqueles momentos pudessem ser uma experiência de anjos”. Em relação às peças que a atriz gostou mais de representar, Paula Só confessou-me que entre muitas há duas personagens que a marcaram muito na arte da representação teatral. “Uma das personagens que ainda hoje interpreto e que existe já há vários anos é a Dona Perpétua do Socorro. Esta personagem podia até ir à Lua, que funcionava sempre. A outra é a Ti Miséria, que também me dá um enorme prazer fazer. A Dona Perpétua do Socorro foi criada para um espetáculo Café Teatro, encenado pelo Fernando Gomes. Mais tarde, o encenador João Brites do Teatro o Bando, quando teve conhecimento desta personagem, gostou muito e quis adaptá-la a um texto de Almada Negreiros, que se chama Antes de Começar. Já a Ti Miséria, é uma mulher rural e nasceu mesmo para o espetáculo Nós de Um Segredo, do Teatro o Bando. Mais tarde foi utilizada na peça “Em Fuga”. “Recordo também o Rei Lear no Teatro Nacional e adorei fazer de pérfida, louca e gira, num espetáculo que se chamava “Luto Clandestino”, com texto encomendado ao Jacinto Lucas Pires e encenado por João Brites”. Questionei-a sobre a questão da remuneração dos artistas de teatro em Portugal ao que me respondeu que o teatro era uma “luta terrível”. “Entristece-me, porque a Cultura é o que define um povo, que faz as coisas movimentarem-se, mas sobretudo faz as pessoas pensarem. E não podemos falar apenas na questão dos ordenados, porque há ainda a questão da colocação dos artistas. Aqui ao lado, em Espanha, os atores têm sempre trabalho colocado, mesmo os menos conhecidos do grande público. O Ministério da Cultura de Espanha arranja sempre forma de por os atores a trabalhar. Já aqui no nosso cantinho, se a pessoa não for mediática, se não nos mexermos ou se os atores não souberem lidar com patrocínios e divulgações a coisa torna-se muito difícil de superar. Como é o meu caso”. O Teatro é uma reunião de seres humanos e sociais. É também um encontro político, porque vivemos em Sociedade. "Ir ver teatro é talvez, sobretudo, ir ter um encontro connosco próprios". Paula Só, já perdeu os nervos antes de entrar em cena, porque se ainda hoje os sentisse “já tinha morrido”. O que sente hoje é preocupação para que tudo corra na perfeição. Diz-se sempre atenta e muito focada e por isso mesmo confessa que “não me digam nada antes e até ao fim do espetáculo”. O palco é um local de verdades. Para além da representação existe obrigatoriamente a verdade em cena, até porque se os atores não sentirem a verdade do personagem, então não faz parte da sua forma, e têm que conseguir que faça. “O teatro sem verdade não é teatro. Até porque o público tem de sentir a ligação com quem está em palco. De nada interessa às pessoas deslocarem-se ao teatro para verem “macacos” – passo o termo”. Um ator tem de honrar o personagem que está a fazer, nem que se trate do pior criminoso do mundo. Mesmo sem técnicas de psicologia, acho que um ator tem de ser um psicólogo, nomeadamente tem que ter o poder de analisar. Falemos agora do que é realmente o Teatro “Bom, como sabemos, o teatro existe desde a idade da pedra. É a nossa necessidade de expor e contar histórias e criticarmos algo que não esteja bem e é também o pegarmos em algo que existe e torná-lo fantasia. É claro que o teatro não é apenas atores, mas é todo um conjunto de artes, a parte musical, luzes, cenários, pinturas e guarda-roupa”. Há muito sangue novo e de qualidade no teatro. Uma nova geração de gente em cima dos palcos capaz de dar continuidade e qualidade à representação. Tal como disse o diretor de teatro e cinema britânico, Peter Brook, Portugal tem dos melhores atores que viu nos países por onde passou. Há palcos que já partiram e a atriz partilhou comigo alguns nomes que lhe fazem falta “O Horácio Manuel do Teatro O Bando, com que tive o prazer de trabalhar em várias peças e que se foi embora cedo demais. O Cândido Ferreira “Candinho”, o Francisco Brás, ator e professor na CRINABEL, o ator e marionetista José Neto entre outros…” Há risco do teatro vir a tornar-se uma arte cada vez mais cara. Mesmo para o público ele pode passar a ser um produto de luxo. Estamos numa época de enorme transformação e um dia corremos o risco de ter apenas ricos na plateia a assistir. Tudo isto conforme as “nuances sociais”, frisou a atriz. A atriz Paula Só gosta da onda do encenador Robert Wilson, também conhecido por Bob Wilson, é fã do Cirque Du Soleil e há uma peça que ficou por ver que se chama “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”. Paula Só, gostava de fazer uma peça onde transmitisse às pessoas que o ser humano tem o comportamento de uma bactéria. E era precisamente isso que gostava de representar. Uma bactéria. A atriz irá fazer parte do elenco da peça A Liberdade É Uma Maluca, com texto e encenação de Hugo Mestre Amaro, com estreia marcada para 3 de abril, no Teatro do Bairro, em Lisboa. A liberdade é uma maluca A liberdade é uma maluca A liberdade é uma maluca A liberdade é uma maluca A liberdade é uma maluca A liberdade é uma maluc Terminou a entrevista com a seguinte mensagem: “Continuem a fazer a guerra da paz e não a guerra da guerra”. O teatro é um misto de emoções. A música é teatro, bem como a dança, ópera, circo, obras dramáticas, líricas ou coreográficas. No final de contas, todas as artes cabem no teatro. O teatro é levar a cabo uma missão. Uma missão de transparência, de partilhas de choros e risos. Quanto o ator chora o público tem de sentir e chorar com ele. No riso a mesma coisa, porque tal como a atriz diz, “o teatro leva a verdade ao palco”. Nota: O Dia Mundial do Teatro foi instituído em 1962 pelo Instituto Internacional de Teatro (ITI). É celebrado anualmente em 27 de março pelos Centros ITI e pela comunidade teatral internacional.