Entre a terra e o mar
Hugo Miguel Ribeiro Ventura, 43 anos, natural de Lisboa, trocou o bairro de Alfama pela margem sul do Tejo para se dedicar à agricultura nas terras da Costa de Caparica. Casado com Ana Ventura, 39 anos, peixeira no Mercado de Campo de Ourique, em Lisboa, tem dois filhos, Raquel com 17 anos e Rodrigo com 15. Hugo começa por contar-me que a questão da agricultura já vem do tempo dos avós paternos. “Desde muito novo comecei a gostar da agricultura. Os meus pais para além de serem agricultores também criavam gado. Por outro lado, lembro-me de andar sempre atrás dos meus avós e foi nessa altura que comecei a ganhar-lhe o gosto”. Emocionado, diz-me que “os meus avós foram a grande paixão e referência da minha vida. Infelizmente já não os tenho”. Mas a paixão pela profissão ainda hoje se faz sentir. Quando chega ao terreno, a primeira coisa que Hugo faz é cumprimentar os seus animais, e enquanto os alimenta conta-me praticamente tudo sobre cada um deles. A primeira a ser cumprimentada é a “Espanhola”, a sua égua com 12 anos que está grávida “Comprei-a e já vinha grávida sem eu saber”. Depois seguem-se as ovelhas, as cabras, as galinhas, os perus, os patos e o ganso, também todos estes com uma história. Pergunto ao Hugo se a vida do campo e ele responde-me de imediato “a vida é dura para quem é mole. Se gostarmos realmente do que fazemos fica menos pesada. Já tenho umas mazelas e já ganhei uma hérnia, mesmo assim não me vejo a fazer outra coisa”. Hugo cultiva uma série de produtos hortícolas, que sendo biológicos são ainda mais benéficos para a saúde. “As terras da Costa de Caparica são de grande qualidade. São extremamente férteis e a nível da produção chegam a ser semeadas anualmente três searas de batata, por exemplo.” “A produção é escoada para os grandes mercados como é o caso do MARL – Mercado Abastecedor de Região de Lisboa, restaurantes e outras lojas. Como revendedor a questão da pandemia faz com que os produtos não escoem como de costume já que os principais clientes foram obrigados a encerrar portas como medida de contenção à covid-19”, conta-me. Hugo trabalha literalmente entre o mar e a terra. Para além da agricultura possui uma embarcação de pesca, a “Costa Mar”. “Há muitas sítios em Portugal em que os agricultores também são pescadores. Nos dias de mau tempo dedicam-se mais à terra, nas épocas de verão mais à pesca e assim mantêm o sustento durante todo o ano”. Hugo Ventura é também conhecido por uma enorme bondade e pela solidariedade. Oferece a quem lhe pede e contribui ainda para vários projetos sociais. Mas se há coisa que tenta sempre preservar é a de ser um “mecenas” no anonimato. A questão da passagem de testemunho do negócio entre gerações, essa tem possivelmente os dias contados. Dos dois filhos, não houve até à data nenhuma manifestação de interesse pela continuidade. “Gostava que o meu filho desse continuidade ao projeto, mas será sempre uma decisão dele. Não há folgas e trabalha-se ao sol, à chuva e na lama. Por isso se decidir seguir outro caminho terá sempre o meu apoio. No entanto quando preciso de ajuda não me posso queixar. Desde a ajuda na terra ao tratar dos animais, mostram-se sempre disponíveis. Tenho a certeza de que mesmo seguindo outro caminho terão sempre muito orgulho nos pais”. Quase no final da nossa história, pergunto ao Hugo o que diriam os seus avós se vissem como as suas terras ficaram bem entregues. “Tenho a certeza de que os meus avós ficariam muito orgulhosos de mim e de tudo que tenho feito. E posso andar de cara levantada porque se há coisa que me ensinaram foi que um homem sério tem tudo na vida”.