Uma Arte Ambiental
Rubrica "Histórias Com Gente" Uma Arte Ambiental Emanuel Vicente Costa, 29 anos, natural da aldeia de Penafirme da Mata, no concelho de Alenquer, veio para a capital há 10 anos e com ele trouxe a sua enorme consciência social e a arte que o acompanha desde criança. Comecemos com a escola. Quando acabou a 4.ª classe, Emanuel pediu à sua professora para o chumbar. Não queria avançar para um outro estabelecimento de ensino, porque não se sentia seguro. Foi um verdadeiro choque saber que a sua nova escola teria cerca de 300 crianças e afinal não estava sozinho. “Não foi um uma mudança fácil. Em Alenquer fui o único aluno a frequentar a escola primária, porque não tinha colegas”. Mas foi a vida da aldeia que lhe mostrou o caminho das artes precisamente por ter passado tanto tempo sozinho. “Como estava sempre sozinho entretinha-me a fazer desenhos. Desenhava árvores e demorava cerca de uma hora a completá-las, porque após fazê-las punha-me a desenhar folha a folha. As minhas obras estiveram sempre ligadas à Natureza mesmo que eu não me apercebesse”. Na sua aldeia em vez dos tradicionais ranchos folclóricos, apareceu curiosamente uma escola de samba e em Olhalvo, uma aldeia vizinha, Emanuel teve conhecimento da existência de uma filarmónica. “Foi numa escola de samba em Penafirme da Mata que comecei a aprender tamborim e todo o funcionamento dos instrumentos. Depois, em Olhalvo, integrei a banda filarmónica com mais de um século de existência. Comecei a estudar música e iniciei-me no clarinete. Mais tarde entrei para a banda e aprendi a tocar outros instrumentos. Aprendi a tocar guitarra com outros elementos da banda e chegámos a formar um grupo de rock. Passados uns anos fui professor em algumas escolas de música e ensinei alunos entre o 3 e os 50 anos de idade”. Vamos à viagem. “Acabei o ensino secundário em Alenquer e vim para Lisboa, onde praticamente nunca tinha estado apesar de ficar a meia dúzia de quilómetros de distância. Foi já com 18 anos que conheci a cidade pela primeira vez e a curiosidade que tive em conhecer tudo em Lisboa fez com que soubesse por vezes mais que certo colegas de cá, até lhes explicava algumas coisas”. Emanuel está desde sempre ligado à Natureza e por isso enquanto voluntário participou em causas ligadas à floresta. “Em 2017, na altura dos grandes incêndios que deflagraram na Serra do Açor, fiz voluntariado e participei em projetos de reflorestação que existiam naquela zona tão fustigada pelos fogos. Para fazer as viagens foi necessário adquirir um meio de transporte e foi aí que comprei uma carrinha e a modifiquei completamente por dentro para se aproximar o mais possível de um lar. Necessitava de ter uma casa móvel, porque em determinadas alturas dormia em tendas e já passava mais tempo na serra do que em casa”. Emanuel é munido de uma grande consciência social. Das primeiras coisas que fez quando chegou a Lisboa foi visitar associações de apoio às pessoas em situação de sem-abrigo para se inteirar dessa realidade. Procurou sempre fazer parte dessa vida real. Confessou-me que “é preciso conhecermos essa parte para depois não dizermos coisas erradas”. Foi também este o propósito da sua visita a um dos locais mais sobrelotados do mundo, a favela Rocinha, no Brasil. Falemos agora sobre as peças que constrói feitas de lixo. Emanuel e a sua namorada costumam procurar materiais nos caixotes do lixo do bairro onde moram à procura de matéria-prima para reaproveitar. Diz-me que no lixo se encontra muito material e em excelentes condições. Recebe-me no seu quintal onde conversámos e tomámos um café numa mesa que encontrou na rua e sentados em cadeiras que aproveitou do lixo. A escutar a nossa conversa está o seu cão “Tuga” e “Cisca”, um dos seus dois gatos. “Há muito material nobre no lixo. Com uma “lixadela” e pintura podemos renovar as nossas peças. Nunca deveria ser descartável”. Com as matérias recolhidas e sem qualquer gasto construíram no quintal uma pequena estufa toda em madeira onde semearam e plantaram em pequenos vasos, hortaliças e árvores. Há uma outra obra em que não usa materiais reciclados. Trata-se de um candeeiro modelar onde só compra madeira certificada. A cada candeeiro modelar vendido, Emanuel junta um pacote com sementes para mostrar às pessoas que é possível plantar árvores em casa. “A questão de usarmos madeira certificada dá-nos a garantia que provém de florestas próprias para estes fins. As florestas podem e devem ser usadas e manipuladas pelo homem, mas de forma controlada. Por exemplo em França há um inspetor que escolhe e marca árvore a árvore o que deve ou não ser cortado. E assim a floresta vive”. Emanuel confessa-me que devido aos incêndios consecutivos, Portugal e parte da Galiza têm as florestas menos resilientes da Europa. “Estamos no vermelho”. Emanuel diz-me que nada está perdido e que “ainda há tempo”. “Fala-se muito em processos como a permacultura e a sintropia criados pelo cientista suíço Ernst Götsch, que trabalhou num terreno no Brasil há cerca de 30 anos para perceber como é que a Natureza funciona e depois replicá-la. Ernst percebeu que por exemplo o melhor para a terra são os ramos das árvores, aquilo a que chamamos lixo. Ele corta ramos de árvores e coloca-os no chão e assim adianta anos e anos no processo natural”. Falámos também sobre o sobreiro porque Portugal tem a maior concentração mundial. Mas existe uma ameaça que tem a ver com a questão dos mesmos se encontrarem em grandes herdades com cerca de 400 hectares que pertencem apenas a uma família. Ou seja, em terrenos particulares. O que acontece é que algumas dessas famílias, e através de acordos com o painel fotovoltaico, arrasam herdades inteiras de árvores o que irá pôr em risco num curto espaço de tempo a sobrevivência dos sobreiros e de outras espécies. “Nalguns países os mesmos painéis fotovoltaicos estão a ser colocados no mar. Porque é que temos de arrasar herdades inteiras de árvores se também o podemos fazer? Acho que agimos por imitação quando temos todas as ferramentas à mão”. Existe ainda o projeto “Xilema Oca” O nome Xilema que vem da parte das plantas que leva a água e os nutrientes e Oca que representa a parte do mundo em que os nutrientes estão a escassear. Este projeto é o seguimento de um outro que tinha com vídeo e música em 2015. Começou a compor músicas e depois a construir as histórias em vídeo. O objetivo nos concertos é projetar imagens enquanto toca guitarra e consciencializar as pessoas. A música surge em loop e as imagens tentam sempre ser realistas tal como as que captou na favela da Rocinha. Amanhã partirá para o Crato onde participará no festival Waking Life. “Somos uma Sociedade onde uns morrem à sede em várias partes do mundo enquanto outros utilizam água limpa nas sanitas. Vivemos permanentemente numa lógia invertida e goste-se ou não da Greta Thunberg, goste-se ou não dos ambientalistas a quem muitos chamam extremistas, ou tomamos consciência já ou então assumimos que acabou”. Ao despedir-me do Emanuel ainda houve tempo para uma última frase: “Se todos usássemos sementes e plantássemos uma árvore em casa para depois a replantarmos na Natureza o mundo seria uma verdadeira floresta”. Temos de mudar as retóricas. A questão da meritocracia e da conversa que todos nascemos com as mesmas oportunidades não passam de frases bonitas. E é sabido que não se resolvem assuntos complexos com premissas simples.