Bombeiro Luís Murça
50 anos após a chamada Luís Filipe Martins dos Santos Murça, 61 anos, é natural de Cacilhas e neste momento o bombeiro mais antigo do concelho de Almada. É também o mais graduado dos chefes pela sua antiguidade no posto. O chefe Luís Murça começa por confessar-me que a paixão por ser bombeiro foi herdada do pai. “Vem de família. O meu pai foi sempre bombeiro e começou desde o posto mais baixo até chegar a comandante. Para além disso todos os meus irmãos foram bombeiros. A única que não foi bombeira foi a minha mãe, mas mesmo assim muitas vezes trabalhou mais para a corporação do que muito bombeiros”. Foi com 11 anos que Luís Murça deu os primeiros passos como reforço mais novo, ainda no antigo quartel de Cacilhas, no antigo Largo do Poço. “Quando tocava a sirene, e porque antigamente o pessoal era pouco, tinham de ir todos para a ocorrência. Saía de casa fosse qual fosse a hora, mesmo de noite. Cabia-me a mim ir chamar a casa três ou quatro bombeiros para irem para o local do fogo. Ia à Vila Brandão e de seguida pela Rua Carvalho Ferreirinha. Depois ia para o quartel porque sendo o mais novo ficava a tomar conta do telefone”. Entretanto o chefe Luís foi crescendo, o “bicho foi ficando” e o gosto foi-se apurando. É preciso ter-se gosto por isto”, sussurra-me. O seu percurso começou como cadete, depois passou para aspirante, seguidamente para bombeiro de 3.ª até que chegou a chefe, posto que desempenha atualmente. O “arrumar as botas” está para já fora de questão. A única coisa que poderia pô-lo fora do ativo e integrar o Quadro de Honra, seria um problema de saúde ou uma decisão do comando. Em conversa disse-me que “vou a todas” e que lhe custa ver que o espírito do pessoal não é o mesmo de antigamente, mas está ciente que os tempos também não são os mesmos. O chefe recorda então alguns dos acontecimentos mais duros na sua carreira. Marcou presença desde as primeiras horas no grande incêndio do Chiado, que deflagrou no dia 25 de agosto de 1988, e conta-me emocionado que “a tragédia do Chiado foi uma situação fora do normal. Acho que nunca mais haverá uma ocorrência igual e tenho a certeza que nunca se pensou que pudesse haver uma situação como aquela. Estive também em Pedrógão. Apanhei outros grandes incêndios, mas Pedrógão foi realmente uma indescritível dadas as circunstâncias que todos conhecemos”. Respondeu ainda à chamada numa grande explosão dentro de um petroleiro que estava atracado na Lisnave e num incêndio a bordo de um rebocador em que morreram duas pessoas. Houve um momento que recorda com mágoa. “Após uma chamada para socorrer um homem que teria sofrido um acidente de trabalho verificámos que se tratava de um amigo e colega do nosso quartel que acabaria por morrer no local. Era um bombeiro dez estrelas”. “Um bombeiro quando sai para uma ocorrência nunca vai para nada de bom, mas as situações que envolvem crianças ficam a “bater” por vezes mais de um mês. Temos de eliminar o “ficheiro” e seguir em frente. Faz parte”. Luís Murça nunca perdeu o medo. Ironicamente diz-se “com medo e maluco”. Ou seja, mesmo com medo, nunca pensa no perigo na hora de salvar. Há uns anos houve uma ação de formação sobre matérias perigosas dada por um alemão. O chefe recorda que ele terá dito, devido à forma como atuam os bombeiros portugueses e face às dificuldades que encontram, “vocês não andam com o cartão de cidadão no bolso, mas sim com a nossa Senhora de Fátima” Dois dos momentos mais marcantes na sua carreira aconteceram quando a autarquia lhe atribuiu, há cerca de 15 anos, a Medalha de Ouro da Cidade de Almada e, mais recentemente, quando lhe foi atribuído o crachá de ouro que é a maior distinção honorífica nos bombeiros. Este último com um sabor especial, visto o crachá normalmente apenas ser dado a elementos fora do ativo e com uma idade avançada ou mesmo só a título póstumo. Com uma certa tristeza o chefe Luís disse-me ainda que “os bombeiros deveriam ser considerados membros da família de todos os portugueses, mas infelizmente não é assim. “Há pessoas que só se lembram de nós quando precisam. Não falo apenas de público em geral, mas também de entidades máximas. É igual.” Em relação à vacinação das corporações de bombeiros contra a pandemia de covid-19, mesmo sendo uma força permanentemente na linha da frente, é difícil adivinhar uma data já que neste momento ainda nem os testes chegaram. “Mas se voltasse aos 11 anos de idade fazia tudo de novo como bombeiro, sem olhar para trás. Depois de me ausentar, independentemente da idade, se houver alguma ocorrência em que possa ajudar lá estarei na linha da frente”. Luís Murça já ensaiou a frase que dirá aos seus camaradas no último dia de serviço. “Um abraço grande a todos, até logo, e sempre que precisem podem contar comigo”.