Chef Carlos Capote
Uma vida bem temperada O cozinheiro Carlos Silvestre Rosário Ferrinho, 72 anos, que nasceu na famosa rua dos Pescadores, na Costa de Caparica, afirma que gosta de confecionar comida com calma até porque cozinhar é um ato de amor. No mesmo local onde nasceu existia antigamente uma mercearia que pertencia ao seu avô. Mais tarde transformada em taberna e por fim uma casa de comidas. “A sinalética que se avistava para mostrar que ali existia uma casa de comidas era um coelho embalsamado e um garrafão de vinho. Era assim na taberna do meu avô e em todas as províncias. Entremos para a cozinha porque hoje vamos cozinhar. Carlos Capote diz-me que os seus pais sempre estiveram ligados à restauração e por isso a sua paixão pela cozinha é uma questão genética. “O meu pai sempre teve restaurantes. Embora eu tenha nascido na Caparica, já nessa altura o meu pai tinha um restaurante na Covilhã que se chamava Café Central e que hoje já não existe. Recordo-me que o antigo primeiro-ministro, José Sócrates ia lá jogar snooker com os operários das fábricas”. Carlos Capote, juntamente com o irmão, foi criado na Covilhã e ambos vinham passar o verão à casa do avô Capote como se fossem banhistas e veraneantes e até era conhecido no meio dos velhos pescadores como o “doutor”, porque na taberna do avô, pegava num fósforo e fingia dar-lhes injeções para ganhar um tostão. Recorda com saudade todos os momentos que passava com eles e como absorvia todas as suas histórias. “Com 10 anos regressámos à Costa e ainda vim aqui fazer a 4.ª classe à escola do Campo, na parte antiga de Almada. Lembro-me perfeitamente de ir a pé por meio de azinhagas e montes para assistir à inauguração da estátua do Cristo Rei”. Entretanto a paixão pela cozinha nunca parou. Aos 17 anos “fingia” que estudava e nessa altura com umas “coroas” que o avô lhe dava era para Lisboa que gostava de ir divertir-se. Mas foi em 1969, após ter passado 9 meses em Angola e de ter feito um périplo por hotéis de ex-sócios do pai, em Luanda e Moçâmedes, que a questão gastronómica se tornou mais séria. “Quando regressei conversei com o meu pai e começámos a pensar em aproveitar o espaço que outrora fora do meu avô para fazermos uma casa de petiscos. Pusemos mãos à obra e em 5 de julho de 1969 abríamos então o restaurante O Capote. Eu fui evoluindo e a casa começou a ganhar fama”. Desde o mundo da arte ao da política foram muitas as celebridades que por ali passaram e a primeira mensagem que se lê no livro de honra do restaurante Capote é a do antigo Presidente da República, Américo Tomás. Sentaram-se à mesa nomes como António Variações, Mário Cesariny, Vasco Morgado, Artur Bual, Herman José, Mário Soares, Paulo Autran, António Moreira Antunes, Júlio Pomar, Álvaro Siza Vieira, Luís Pinto-Coelho, Manuel Cargaleiro, Martins Correia, Carybé, Carlos do Carmo e António Guterres, entre muitos outros. “Recordo-me de um cliente que tive muita pena de não ter servido. No dia de folga do restaurante apareceu-me o cantor francês Charles Aznavour acompanhado por João David Nunes para almoçarem. Por acaso tinha um almoço marcado onde seria eu a cozinhar e não foi mesmo possível servi-los”. Mas a cozinha também ganha prémios. Foi na vila de Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém, que Carlos Capote com uma colher de pau de dois metros liderou uma equipa de cozinheiros que conseguiu entrar para o “Guinness World Records” com a “Maior Sopa do Mundo”, confecionando o típico gaspacho alentejano. Para além desta distinção foi também premiado com o “Golfinho Azul” da Região de Turismo da Costa Azul e foi um dos oito conselheiros de um conselho técnico para a área de gastronomia a património nacional. Quanto ao futuro da gastronomia Carlos Capote diz-se cético por três razões. A primeira porque as pessoas estão a desaprender de comer. Depois há a questão dos cursos que são dados nas escolas de hotelaria onde não se aprende a confecionar pratos tradicionais portugueses. Por fim a questão da apresentação é a maior preocupação dos novos cozinheiros, deixando para o fim o mais importante, o sabor. É uma verdadeira cozinha de laboratório. “Estamos a defender muito mal a nossa gastronomia”. O chef Capote afirma que a primeira coisa que faz quando chega a um local para cozinhar é dirigir-se ao mercado para conhecer os produtos locais. “É essencial”, conta-me. Diz-se um caparicano orgulhoso pois não há nenhum programa em que participe que não fale na sua Costa de Caparica. NOTAS: O Dia Mundial da Gastronomia foi instituído pela Assembleia da República (AR) em junho de 2015 e é celebrado no último fim de semana de maio. Este ano comemora-se a 30 de maio.