A Flor que Nasce no Teu Peito
Maria do Carmo Janes, 51 anos, natural de Reguengos de Monsaraz, começou um projeto por amor a uma irmã e este transformou-se numa gigante partilha que devolveu o sorriso a muitas mulheres e terminou de uma vez por todas com os soutiens vazios. Comecemos pela sua irmã. Ana Luísa Janes, 38 anos, natural do Monte da Caparica, começa por contar-me, que em 2018 após engravidar de um dos seus três filhos, terá desenvolvido uma pequena inflamação na mama, que terá despoletado o cancro que só foi descoberto após o período de amamentação. “Na altura para combater a inflamação receitaram-me um analgésico e disseram-me que possivelmente seria do leite. Entretanto o cancro sendo hormonal desenvolveu-se de forma brutal. A solução era só uma, retirar a mama”. Quando lhe retiraram a mama no Hospital do Barreiro, descobriram-lhe uma “bola no peito” e após uma mamografia disseram-lhe que era um tumor maligno. “Depois de muitos exames fiz seis sessões de quimioterapia de três em três semanas e depois uma mastectomia total. Após a cirurgia veio a radioterapia que curiosamente não é tão dolorosa como a quimioterapia, mas que acarreta riscos maiores a longo prazo. Estes tratamentos dão-nos muito cansaço e mentalmente parece que por vezes ficamos com o cérebro bloqueado. Fisicamente e mentalmente é muito difícil”. Voltemos ao princípio da história. Maria do Carmo, ao saber do que se passa com a irmã, no final de 2020, sente que tem de fazer alguma coisa para ajudar. “A minha irmã é muito nova e foi realmente um choque muito grande. Além do mais sempre julguei que uma pessoa com esta idade e após fazer uma mastectomia, que a reconstrução fosse uma condição “sine qua non”, ou seja, deveria estar intrinsecamente ligada. E fiquei extremamente chocada quando soube que durante pelo menos 2 anos não iria poder fazê-la”. Ana Luísa saiu do hospital apenas com uma prótese feita com algodão, uma ligadura e fita cola. Uma situação “mal-amanhada”, mas feita com muito boa vontade. “É louvável a sensibilidade dos enfermeiros, auxiliares e de todo o pessoal de apoio, que com o pouco que têm à mão tentam sempre dar o seu melhor”, salienta. Sentou-se ao computador e começou a pesquisar para tentar arranjar uma solução temporária que pudesse de alguma forma ajudar a irmã. “Gosto de procurar soluções e fui sempre um bocado inquieta”, acrescenta. “Descobri que as nordestinas, no Brasil, se lembraram de encher meias normais com os cereais que tinham ao seu alcance. Há aliás uma história com uma advogada de São Paulo, que tinha sido mastectomizada, que numa viagem ao Nordeste soube da solução, e como estava mais informada, evoluiu e pôs meias de vidro com alpista normal”. Para se fazer As Rosinhas apenas são necessários 2 tipos de material. Meias de mousse e alpista para pássaros exóticos. “Fiz algumas alterações e substituí a meia de vidro por mousse, porque vamos colocar uma prótese numa zona que se encontra muito sensível e queimada devido aos tratamentos. Uma verdadeira pele de bebé. E em relação à alpista, a que usamos é para pássaros exóticos, por ser redonda e mais confortável”. Maria do Carmo deu a notícia da descoberta por telefone à irmã, que assim que saiu do hospital experimentou e nunca mais tirou as Rosinhas. “Tive a sensação que lhe estava a devolver o que lhe tinham tirado.” Desde o início do projeto em fevereiro de 2021, são já centenas de mulheres que usufruíram das Rosinhas, sendo que muitos desses pedidos são de mastectomias bilaterais. Para além disso com a chegada do verão os pedidos aumentam, porque as Rosinhas podem ir à praia. Há uma outra parte pior, que passa por situações de mulheres em cuidados paliativos. São pessoas que lhes enviam mensagens simplesmente à procura de palavras de conforto. Essa é uma situação muito difícil de gerir emocionalmente, confessam. Em Portugal o grande pedido de ajuda vem do Norte. São cerca de 70%, 20% na zona Centro e os restantes 10% no Sul e os casos registam-se entre os vinte sete e os oitenta anos. Poderíamos retirar de imediato várias conclusões. Uma delas seria a incidência de tumores ser maior no Norte de Portugal ou poderia ter a ver também com a abertura e coragem em partilhar a situação. As irmãs Janes têm uma outra teoria. “Nas grandes cidades as pessoas estão mais ocupadas, não tão recetivas e são mais desconfiadas. Enquanto no Norte, talvez por estarem mais isoladas sentem mais necessidades de conversas e de aconchego. Além do mais são pessoas mais religiosas e nesta causa a religião está muito associada e que me leva a refletir o quão importante é na doença”. Todo este processo é sobretudo uma grande história de amor. Tiveram um pedido muito pouco usual através da página do Facebook. O pedido de um homem. “Foi buscar a etiqueta do soutien da mulher e encomendou-nos uma rosinha para lhe fazer uma surpresa. O que mais nos emocionou foi a preocupação enquanto marido de querer dar “devolver” à sua companheira o que um dia perdeu. Tocou-nos especialmente.” Quis conhecer um dos testemunhos deste projeto. Conversei com uma mulher feliz e cheia de autoestima. Bela Rico, 52 anos, natural de Angola e residente em Portugal há 33 anos. “O cancro da mama apareceu-me em 2020 durante a pandemia. Foi no mês de junho que comecei a fazer exames e as notícias que ia recebendo eram cada vez piores. No dia 17 de julho fui operada. Após a cirurgia e através da Liga Portuguesa contra o Cancro dão às mulheres mastectomizadas uma bolas super desconfortáveis, que realmente nunca usei. Conheci o projeto As Rosinhas através de uma amizade em comum. Liguei à Ana Luísa, que foi extremamente acessível e que me deu todas as informações. Em janeiro a Ana Luísa e a Maria do Carmo foram a minha casa e levaram-me as Rosinhas. Houve logo uma grande dose de empatia e fiquei de imediato rendida com o aspeto das próteses. Depois de meses com os espelhos de casa tapados por não conseguir lidar com o meu corpo, ao colocar as Rosinhas com soutien senti-me mais mulher. Ganhei autoestima. Nunca mais as larguei. Comecei a sair à rua mais confortável, mais confiante e até a participar em jantares com amigos. Há apenas uma barreira que falta ultrapassar, que é a questão da ida à praia, mas para a próxima semana garanto que irei”. Após conversa com o seu cirurgião plástico, este ano a reconstrução é impensável até porque há cerca de uma semana que lhe foi descoberto outro nódulo o que a levará a uma nova ronda de exames. Se tudo correr bem a cirurgia ficará concluída em 2023. “O projeto As Rosinhas é feito por miúdas abençoadas, pelo que fazem a troco de nada. É de louvar o trabalho de pessoas que entram na nossa vida e que fazem a diferença. Oferecem o coração, a bondade e a disponibilidade necessária para atender todos estes pedidos. Só lhes podemos oferecer gratidão, porque passamos por um processo de maior sensibilidade e rezamos para que apareça gente amiga à nossa volta. E o que é mais extraordinário é que uma delas tem a minha linguagem e a outra fez da situação uma missão. Será para sempre uma amizade com gratidão”. Bela Rico, devota a Nossa Senhora de Fátima, garante que para o próximo ano será peregrina. Falemos agora sobre a expansão do projeto. “Este é um projeto de família, que desde o nome ao logótipo foi criado “dentro de portas” e por isso não queremos ser associação. Não aceitamos donativos em dinheiro. Aceitamos apenas ajuda material, que neste caso são as meias ou a alpista. A única ajuda que aceitamos é na compra de t-shirts e sweatshirts, que mandamos fazer para nos ajudar nos envios das Rosinhas via correio, que chega aos cem euros semanais. Qualquer lucro que venha a remanescer das vendas será sempre para ajudar alguém em termos materiais tal como camas articuladas, cadeiras de rodas, etc. Queremos continuar a ajudar muita gente, mas sempre neste contexto. Ana Luísa confessa que a sua participação no projeto As Rosinhas, é um reflexo da ajuda que teve da sua irmã e que hoje faz questão de contribuir e ajudar a partilhar com outras mulheres que se encontrem na sua situação. Por casa que passem deixam sempre um brilho no olhar e amor e cuidar foram as palavras mais utilizadas durante a nossa conversa. Já a questão de missão cumprida está sempre posta de lado, porque nesta vida há sempre mais alguém a necessitar de uma flor.