Dia das Lojas de Discos (Record Store Day)
33 rotações por minuto Carlos Manuel Rodrigues Parada, 50 anos, que nasceu na freguesia de Marvila, em Lisboa, confessa ter a sorte de trabalhar com o amor da sua vida, a música. Começa por contar-me que entrou para o mundo da música muito cedo. Com embalagens de detergente construiu um instrumento de percussão. “Comecei no mundo da música numa primeira fase aos 4 anos, com as embalagens de Presto a fazerem de bateria, montada na sala lá de casa. Depois aos 18 anos, o assunto ficou mais sério e comecei a colaborar com a Discoteca Palladium, que ficava na Praça dos Restauradores”. Desde aí o seu percurso pelas lojas de discos foi ganhando mais força e mais tarde colaborou com a CNM (Companhia Nacional de Música) e mais recentemente com a Tubitek, em Lisboa. Antigamente a zona da baixa lisboeta era considerada a volta do vinil pois era aí que se concentravam as grandes lojas de venda de discos. “O Chiado e a baixa sempre foram os locais de eleição para as "discotecas" da cidade. Antes do incêndio do Chiado, a Rua do Carmo encontrava-se recheada de lojas de discos. A Feira da Ladra também foi sempre ponto de encontro para os amantes do vinil, todos os sábados havia o culto da volta matinal, que se iniciava sempre na Feira da Ladra, Palladium, Bimotor, Charanga e Contraverso”. O disco em vinil terá surgido na gigante americana Columbia por volta de 1948. O seu auge foi na década de 80 e com o aparecimento do conceito e formato compact disc (CD) lançado pela Polygram, perguntei ao Carlos se achava que teria sido o começo do arrumar da agulha e dos gira-discos e do dar espaço ao laser. “Numa primeira fase, a novidade do compact disc, e a comodidade que trouxe com ele, conquistou o público e, aliada à falta de qualidade das prensagens e da própria matéria-prima, foi empurrando o grande público para o CD. Apenas restou um nicho de mercado que sempre continuou a consumir vinil, mesmo sem grande oferta e com preços proibitivos”. Como um verdadeiro amante de música, questiono-o se terá temido o desaparecimento do vinil para sempre, ao que me responde nunca ter acreditado que desaparecesse, mas sim que fosse tratado como um produto de luxo, somente direcionado a audiófilos, (como de resto foi tratado durante algum tempo). Carlos Parada pensa que não se tratou de uma morte não anunciada, mas “mais como uma morte lenta”. Foi-se fazendo lentamente a transição para o Compact Disc, até as editoras deixarem de editar em vinil. Tendo em conta a sua desmedida caminhada no mundo da 4.ª arte questionei-o se sabia qual o seu espólio musical. “Ao certo, ao certo, não tenho um número que possa dizer com exatidão, mas da última vez que contei tinha perto de 2000 títulos, número que, entretanto, já foi seguramente ultrapassado”. Bandas e estilos. Passemos agora ao que consome. “A World Music é uma grande fatia do meu gosto musical e do que oiço. Também fui influenciado pelas empresas por onde passei, artistas com quem trabalhei e catálogos que representei ao longo do tempo, tais como, Tumbao, World Connection, World Circuit, Lusafrica, Le Maquis, Discmedi, Karonte, IODAlliance e Membran, entre outras. O Soul, o Rock e a música indie ou independente são também das sonoridades com que mais me identifico”. A questão do cruzamento de indivíduos, raças e diferentes etnias tem muito a ver com a questão musical. “É interessante perceber esta Lisboa e a sua cultura em contínua miscigenação; primeiro com os escravos, vindos das ex-colónias e mais tarde, com a emigração”. Estará a sonoridade ligada às horas? “Hummm... não tenho o hábito de cumprir horários, muito menos para ouvir música. Mas o final do dia é sempre uma altura mais propícia para podermos saborear uma obra”. No presente uma das questões mais pertinentes no mundo musical é a questão da pirataria e o impacto que tem na indústria e por conseguinte nas lojas de venda de música. No entanto, atualmente a pirataria quase não existe. “Com os serviços de "streaming" e os downloads os discos piratas acabaram por tornar-se insustentáveis. Houve uma altura, em finais dos anos noventa, em que sim, afetou o volume de vendas nas lojas, o que também contribuiu para a crise da indústria discográfica”. Falemos um pouco sobre a loja onde colabora e como surgiu o projeto. “A Tubitek é uma loja de discos mítica desde os anos 80 no Porto. O convite para abrir um espaço em Lisboa já existia, a pandemia acabou por despoletar a abertura da loja. Com mais tempo para pensar no projeto e procurar o sítio ideal acabou por ser um processo fácil e natural, a concretização de uma ideia amadurecida. A Tubitek Lisboa, como todas as outras (Braga, Leiria e Porto), é loja de discos generalistas, com oferta de Hi-Fi, música em CD e vinil para todos os gostos, abrangendo todos os géneros. Com acesso a um milhão de referências”. O Record Store Day foi criado em 2007 numa reunião de proprietários e funcionários de lojas de discos independentes como uma forma de celebrar e divulgar a música e a cultura. “O primeiro evento ocorreu a 19 de abril de 2008. Atualmente, há lojas participantes por todo o mundo. Já com 1.400 lojas de discos independentes nos Estados Unidos e milhares de lojas a nível internacional, Lisboa não é exceção, contando com algumas lojas independentes, entre elas a Tubitek. Este é um dia de celebração da cultura e do papel especial e único que uma loja de discos independente desempenha na sua comunidade. Lançamentos especiais de vinil e CD e vários produtos promocionais são feitos exclusivamente para o dia, sempre acompanhadas de eventos e sessões de autógrafos. Este ano contamos com uma lista com mais de 300 títulos apresentados pelas mais variadas editoras e estilos de música, tais como Pearl Jam, Sisters Of Mercy, Air, Amy Winehouse, U2 e Ella Fitzgerald, que são só alguns dos artistas com edições neste RSD 2021”. Pergunto-lhe se a música é um dos seus grandes amores ao que me responde sem hesitar “tenho a sorte de trabalhar com o amor da minha vida”. Já na despedida, confessa-me que “a música é a que está sempre presente no nosso dia a dia, que nos consola, nos faz companhia, que nos alegra ou entristece.