Dulce Pascoal
Prova de fundo Maria Dulce Alves Pascoal Dias José, 62 anos, é natural de Lisboa e há 15 anos que sofre de uma doença oncológica. Foi em 2006 que Maria Dulce com 47 anos soube durante uma consulta de rotina que tinha cancro da mama. “Não tinha sintoma nenhum. Fui fazer uma mamografia de rotina e nem queria acreditar no que o médico que me estava a fazer o exame me disse. Achei de imediato que ele só podia estar enganado.” Foi-lhe descoberto um nódulo, mas Maria Dulce achou que poderia ser uma situação normal. Foi então que o médico ao estranhar o silêncio da paciente lhe pediu desculpa, pois não tinha outra forma de o dizer. Não era apenas um nódulo. Era cancro e aconselhou-a a ir de imediato ao IPO – Instituto Português de Oncologia. “Na altura a situação correu relativamente bem. Era um cancro pequeno e localizado. Fui operada e retiraram-me parte do tecido do peito com apenas um centímetro. Os gânglios linfáticos estavam limpos e comecei com os tratamentos. Fiz então a cirurgia, quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia.” Entretanto decidiu regressar à sua vida profissional. Maria Dulce era professora de história e após os tratamentos voltou a exercer. Uns tempos depois foi requisitada pelo Ministério da Justiça, no âmbito de um projeto para jovens delinquentes internados num centro educativo, para organizar todo o programa escolar e profissional. Mas seis anos depois seria novamente confrontada com o cancro. Desta vez tinham-lhe aparecido metástases no fígado decorrente do cancro da mama. “Continuei a trabalhar durante mais algum tempo até me sentir obrigada a colocar um ponto final na minha atividade profissional. Ser professora é um trabalho muito difícil do ponto de vista físico, psicológico e emocional. Há que ter sempre muita energia e tentar sempre mudar o ritmo das aulas. Por outro lado, começou a tornar-se incompatível a questão de conciliar os tratamentos e as faltas de presença”. Após um silêncio, desabafa. “Há uma verdadeira guerra entre mim e o cancro”. Os reaparecimentos têm muito a ver com o sistema biológico de cada um de nós e cada cancro varia de organismo para organismo. “O meu sistema imunitário fica péssimo nem é muito pelo tratamento que faço hoje em dia. É um tratamento bastante agressivo, mas por qualquer razão eu até o tolero bastante bem. O problema é que como não tenho glóbulos brancos, no dia seguinte ao tratamento tenho de levar uma injeção que eu própria dou, para os estimular. E é essa injeção que me deixa completamente de rastos com a sensação de ter agulhas a enfiarem-se por dentro dos dentes. Tudo o que é gânglio linfático fica muito inchado”. Um dos episódios mais complicados foi sempre tentar esconder o cancro dos pais. Fê-lo, de 2012 até 2017, mas o tratamento semanal que fez com que o cabelo lhe caísse na totalidade pôs a descoberto esse seu segredo. Na altura causou-lhes bastante mágoa, inclusive provocou uma grande depressão à mãe. Presentemente o principal tratamento de Maria Dulce é a quimioterapia endovenosa. É seguida regularmente no Hospital de Santa Maria e afirma que em Portugal os doentes oncológicos são bem tratados e têm médicos e enfermeiros de excelência. Sendo um hospital público a única diferença que sente quando vai a um espaço privado é apenas a questão do luxo visível das instalações. “Acho é que faltam algumas coisas complementares porque um médico tem de se focar na parte do tratamento do doente e não pode fazer o papel de assistente social ou até mesmo de psicólogo. Faltam realmente equipas que deem algum acompanhamento, sobretudo a pessoas com menores capacidades. Há de facto uma grande falta de informação e as pessoas sentem-me muitas vezes perdidas”. Dulce não acredita numa cura de doenças oncológicas, mas tem esperança no desenvolvimento de medicamentos cada vez mais eficazes para combater a doença. “Eventualmente poderão aparecer medicamentos que evitarão pontualmente alguns tipos de cancro, mas depois há a questão de que quanto mais tempo as pessoas vivem mais este género de doenças irá aparecer”. Ainda houve tempo para conversarmos sobre solidariedade. A sua nora Inês criou o grupo “Dar Luta ao Cancro”, um projeto onde as pessoas partilham ideias e experiências de vida em relação ao cancro. Fez-lhe a proposta para que entrasse no projeto e conseguiu convencê-la a participar. Hoje, o grupo tem 912 membros e Maria Dulce para além de administrar é um dos grandes motores do grupo e tenta através da sua experiência ajudar o maior número de pessoas possível. “Por vezes sinto-me aflita porque cada vez há pessoas mais novas e com filhos pequenos. Terem de fazer os tratamentos e gerirem a questão dos filhos é muito complicado porque necessitam de muita energia e de muito apoio. E ter-se cancro quando somos novos ainda é pior porque as células desenvolvem-se a uma velocidade muito maior”. Em final de conversa, acrescenta que a abordagem do médico para o doente é extremamente importante. Em termos paliativos há sempre forma de passar um sinal de esperança e mesmo que as hipóteses não sejam risonhas pelo menos que não seja uma mensagem de fim. Agnóstica, mas “talvez” com fé na ciência. “Sinto que ter cancro é como participar todos os dias numa prova de fundo”.