Dia Internacional Nelson Mandela (dedicado ao ativismo)
Pontos sem Fronteiras Ana Margarida Fernandes Perpétuo Simões, 49 anos, natural de Angola, diz que ativismo é agir e atuar perante qualquer situação em que se tenha de intervir, mas sem nunca se calar. No começo da nossa conversa pergunto-lhe se o ativismo pode assumir várias formas. “Claro que sim. Eu considero-me uma ativista pacifica, pois sou completamente contra a violência. Há muitas maneiras de se fazer a mudança quer seja comportamental ou social, sem ser pela força, com atos”. As ações de um ativista são muito importantes, porque têm sempre repercussão naqueles com quem se envolvem e porque se expandem para outras pessoas. Pergunto à Ana se o ativismo é uma forma de estar na vida. “Claro que sim, porque para uma pessoa que se envolve em causas essa é uma das formas de se sentir bem e de conseguir pôr em prática aquilo em que acredita e pelo que luta. Não consigo presenciar uma injustiça e passar à frente, deixar de intervir seja de que forma for”. Mas o ser ativista acarreta receios e perigos quando se expõem demasiado a certos problemas. “Ao longo do tempo tenho aprendido a criar defesas, que me permitem manter a frieza quando necessária, porque há muitas situações em que nos envolvemos demais e se não criarmos mecanismos não conseguiremos ajudar e fazer aquilo a que nos propomos”. Há uma parte mais “chata”, que tem a ver com a luta, por exemplo, prestar apoio a refugiados. É uma situação perigosa e requer cuidados reforçados. Ana Simões, teve durante muitos anos envolvida na luta e apoio a refugiados e sentiu o perigo físico, foi perseguida e várias vezes ameaçada. “Tive de mudar alguns hábitos na minha vida, tenho muito cuidado com certas situações. A vida foi-me ensinando e penso que neste momento as coisas estão a tornar-se mais perigosas com o escalar da extrema-direita”. A ativista viajou pela Macedónia, Grécia e Sérvia e em todos estes países passou por momentos muito complicados. Foi na Macedónia, num campo militar de transição, que teve a sua primeira experiência. Um local onde supostamente recolhiam refugiados para os transportar depois em comboios para outros países. “Foi uma experiência brutal, porque não houve uma única noite que eu e todas as pessoas que estavam comigo, não chorássemos. O que vemos pela televisão nada tem a ver com o que se passa no terreno”. No campo militar não podiam filmar nem fotografar sem autorização. Diariamente tinham de ir ao posto de comando pedir ao chefe do campo que lhes passasse credenciais para poderem entrar e as páginas pessoais do Facebook eram constantemente vigiadas. “Eu não tive esse problema, mas tive colegas a quem foi retirado o telemóvel para apagar todas as fotografias”. Um dos grandes problemas na questão da ajuda humanitária é a corrupção, mesmo em organizações conhecidas onde há aproveitamento político e onde por vezes quem vai para o terreno não são as pessoas certas para o efeito. “Levámos daqui dinheiro para adquirir roupas, mas para conseguirmos passar e distribuir os bens dentro do campo tivemos de oferecer um televisor ao responsável. A nossa preocupação era darmos tudo o que tínhamos antes de sairmos do país, porque sabíamos que assim que virássemos costas os produtos iam todas para casa de alguém”. Um ano depois, Ana foi para a Grécia, mas desta vez sem estar vinculada a nenhuma organização. A experiência a trabalhar durante 18 anos com toxicodependentes e a coordenar equipas de rua em Coimbra fez com que adquirisse a experiência necessária. “Fui para Atenas apenas com um contacto no terreno que me ajudou. A viagem coincidiu com o desmantelamento do Porto de Pireus e lembro-me que havia pessoas por toda a cidade a necessitar de apoio. Dormiam na rua, muitos necessitavam de cuidados médicos e de satisfazer todas as necessidades básicas. Tive uma experiência horrível com uma criança de 3 anos que adoeceu. Foi internada e acabou por falecer no hospital. Irritei-me com a equipa médica e ameacei-os com a imprensa, porque achava que não estavam a fazer o que seria suposto fazerem. Tudo isto por serem refugiados. Ainda hoje estamos para perceber o que falhou no processo para ter morrido. Tinha apenas 3 anos. Pensei sempre que com a “bagagem” que levava daqui, estaria preparada para tudo, mas não”. Mudemos então de país. Ana viajou para Norte, percorreu cerca de 800 quilómetros e entrou na Sérvia. “Não sou uma pessoa que ache que toda a gente que chega, vem pelo bem. Estive na Sérvia durante 4 meses e conheci gente muito reles ligada a redes de tráfico com ramificações em vários países, com esquemas com crianças que eram colocadas em redes de pedofilia, droga e prostituição. Máfias. Passei por momentos muito complicados. Em conjunto com um amigo alugávamos apartamentos onde púnhamos crianças menores a dormir. Era ilegal, tal como fornecer-lhes comida, banhos e outras coisas. Juntei-me com um grupo de espanhóis, que para mim em termos de ativismos são do melhor que há, que pertenciam à organização não oficial “No Name Kitchen” e onde tinha a tarefa de preparar e distribuir refeições para pessoas que se encontravam numa estação abandonada. Foi duro, porque só conseguíamos comida para 400/500 pessoas e havia cerca de 800/1000. Tínhamos de decidir quem comia e quem não comia. A prioridade eram crianças e pessoas mais fragilizadas. Entretanto a polícia e o exército começaram a desmantelar o local e a levar as pessoas para campos oficiais e começaram a perseguir-nos. Fazia quilómetros a mais e entrava em prédios que não eram o meu apenas para despistar pessoas que me seguiam. Chegavam a fotografar-nos na rua”. Ana, não queria vir embora, mas começou a ficar com medo e sabia que se permanecesse mais tempo na Sérvia seria presa. Ora tratando-se de um país fora da união europeia a situação diplomática seria complicada. De regresso a Portugal em junho de 2017, precisamente na altura dos incêndios em Pedrógão, foi para lá que foi ajudar. Em outubro deu-se o segundo grande incêndio em Pedrógão e mais uma vez disse presente. Desta vez ficou a viver pela zona de Tondela durante 5 meses onde participou na ajuda à população, plantou árvores, distribuiu plantas para as pessoas cultivarem e ajudou a montar um hospital de campanha onde eram tratados animais queimados. Passados praticamente 4 anos, continua a deslocar-se a Tondela para visitar e saber das pessoas. Mantém também o contacto com algumas crianças com que trabalhou no estrangeiro e tenta sempre acompanhar o seu percurso. “Na Sérvia, encontrei um miúdo com cerca de 11 anos, com os ténis todos rotos. Combinei com ele e no dia seguinte fomos comprar uns novos. Fomos para a zona das lojas no centro de Belgrado, entrámos numa das lojas de desporto e disse-lhe para escolher os que gostasse mais. Ficou a olhar para mim como se não estivesse a acreditar no que acabara de ouvir. A felicidade com que saiu da loja com os ténis novos calçados, encheu-me o coração. Há cerca de um mês, enviou-me uma fotografia com os ténis, que, entretanto, já não lhe servem, mas para me mostrar que os tinha oferecido a um amigo”. Pergunto-lhe sobre Mandela e Marielle Franco. “Uma inspiração. Acho que lhes devemos muito e o que podemos fazer de melhor para preservar as mensagens e legado que nos deixaram é precisamente continuar a luta deles. Pagaram uma fatura muito cara, mas não morreram nem lutaram em vão”. Diz-me orgulhosamente que a família a apoia sempre e o que a deixa mais feliz é o exemplo que pode e quer passar aos seus sobrinhos. Quase no final da conversa confessa-me que gostava muito de conseguir mudar mentalidades e que as pessoas percebessem que não é o facto de recebermos refugiados, que faz com que o país não progrida e que eles não nos veem roubar trabalho. “Para uma pessoa que seja filho de um deus menor, qualquer coisa serve. E não pode ser assim, porque somos todos iguais”.