Bombeiro Raul Pinto
Quem bebe desta água daqui já não sai (“Podemos não voltar, mas vamos”) Raul Pinto, 52 anos, natural da freguesia da Costa de Caparica, é bombeiro dos Voluntários de Cacilhas – 3.ª secção Costa de Caparica, desde 1989. Encontra-se de momento no quadro de reserva até recuperar de um acidente que teve em 2019. Mas muito antes, a sua vida de criança foi na pesca. “Lembro-me perfeitamente que quando era miúdo saía da escola e ia diretamente para a pesca. Mais tarde ainda cheguei a ter o meu próprio barco. Agora vou à pesca apenas para matar saudades”. Hoje, Raul começa por confessar que o sonho de ser bombeiro veio logo a seguir à inspeção militar. Na altura tinha saído a lei que ditava que quem quisesse ser bombeiro voluntário podia cumprir o serviço militar obrigatório num quartel de bombeiros. Concorreu para a Marinha, mas a falta de estudos e de altura fez com que fosse encaminhado para o exército. “Ainda me apresentei na tropa, mas tive o privilégio de ter um grande comandante, chamado Serra, que me foi buscar ao quartel em Tancos e me trouxe para a Costa de Caparica”. A carreira como bombeiro voluntário começou na casa escola, na Caparica, como aspirante. Mais tarde progrediu para bombeiro de segunda classe. Os melhores momentos que recorda foram na época em que fazia parte de uma equipa de patrulha e salvamento marítimo. “Salvámos muitas pessoas a bordo de um pneumático e fazíamos patrulhamento desde a praia do Norte até à Fonte da Telha. Antigamente não existiam associações e éramos nós que ficávamos a vigiar as praias. Uma vez por volta das 19:30 e com o barco já arrumado para regressarmos ao quartel começamos a ouvir gritos na praia. Desatámos a correr e foi então que vimos um corpo pequenino a boiar, levado por um agueiro. Pusemos o barco na água, fomos até lá e mergulhámos sem sequer pensar. Conseguimos resgatar a criança e fazer-lhe a reanimação”. Mas nem tudo são rosas. Recorda também algumas “tempestades” próprias da vida de um bombeiro. “O pior é que nunca sabermos o que iremos encontrar antes de chegarmos a um acidente. Depois há a questão sentimental da perda de vidas. Recordo-me que socorremos uma amiga aqui da Costa e fizemos uma viagem de apenas 11 minutos até ao Hospital de São José, em Lisboa. Já dentro do hospital, ela morreu, ainda em cima da nossa maca e nos nossos braços. Chorei muitas vezes sentado na ambulância, por conseguirmos transportar uma pessoa com vida e após ser admitida num hospital não sobreviver. É muito duro”. Mas os episódios marcantes são muitos, como o de uma criança carbonizada dentro da sua própria casa. “Quando chegámos já pouco podíamos fazer. Uma vela acesa em cima de uma mesa de cabeceira fez com que as chamas progredissem rapidamente ceifando a vida de uma criança”. A maior gratidão que um bombeiro pode ter é a de salvar uma vida. É aí que se sente a verdadeira magia de abraçar esta profissão. O ser-se útil e decisivo para que a vida continue. Raul Pinto sofreu um acidente no emprego que o levou à interrupção da atividade nos bombeiros. Mas conta-me que a instituição nunca o abandonou. “Tenho um orgulho enorme nesta casa (bombeiros) e no apoio que sempre me deram quando tive o acidente. Nunca deixaram de me apoiar enquanto estive hospitalizado e no primeiro fim de semana que vim a casa fizeram-me um grande almoço que jamais esquecerei”. O bombeiro espera melhorar rapidamente para voltar ao ativo até porque afirma que “os bombeiros são a minha família”. “Podemos não voltar, mas vamos”.