Dia Mundia dos Avós e dos Idosos
Avós Como é possível uma palavra conter tanto amor. Tanto significado. Tanta paixão. Tanta ternura. O nosso avô é o maestro que através de movimentos mágicos conduz a bela orquestra, e a nossa avó a soprano que faz estremecer palcos com a sua poderosa voz e presença. Avós são os nossos deuses. Um dos nossos começos. A nossa vida inteira dentro de um só coração. São pois, pais dos nossos pais. Histórias com Gente IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, que este ano assinala-se a 28 de julho. Maria Miguel Neto tem 101 anos, feitos no passado dia 14 de fevereiro e nasceu na Amorosa, em São Bartolomeu de Messines, no município de Silves. Falou-me de vidas, da vida e da ida para o lar com medo da solidão. Frequentou o sistema de ensino até concluir a 4ª classe e depois abandonou os estudos para ajudar a sua mãe. Em casa começou a trabalhar na costura onde fazia todos os tipos de trabalhos que lhe apareciam. “Fazia o que me pediam. Camisas, calças, camisolas e outras coisas mais, que já não me lembro”. Deixou terras algarvias após o seu casamento com Manuel Martins Neto e rumou a Lisboa à procura de uma vida melhor. “Trabalhei sempre na costura e o meu marido como marceneiro. Viemos para a capital e continuámos a trabalhar cada um no seu ofício”. Perguntei-lhe se o seu marido foi o grande amor da sua vida. “ O meu marido não foi o grande amor da sua vida, mas sim o único amor da minha vida. Não namorei com mais nenhum homem”. Como o dinheiro a princípio era pouco ficaram a morar na casa de uns tios do marido, numa vila na zona da Estefânia. “Foi muito difícil. Era muito nova e não sabia muito bem como é que as coisas funcionavam na cidade. Quando as coisas melhoraram conseguimos alugar uma casa na Pascoal de Melo em conjunto com a amiga Bernardete, lá do Algarve. Mais tarde eu e o meu marido mudámo-nos para um quarto, numa outra casa, na rua Dom Fuas Roupinho, em Santa Apolónia”. Uns tempos depois nasceu a filha Célia, que mais tarde lhe daria duas netas, a Carla e a Andreia e hoje tem duas bisnetas e dois bisnetos, a Beatriz, a Catarina, O Gonçalo e o Martim. “Já não vejo alguns deles há muito tempo. O tempo passa a correr…”. Voltemos ao Algarve “Quando era miúda ia à fonte buscar água no burro que o meu pai tinha. Naquela altura não havia água canalizada. Nem água nem luz e quando caía a noite tínhamos de acender os candeeiros a petróleo para não ficarmos às escuras”. Os cozinhados eram feitos em lume de chão, tudo a lenha apanhada pelo seu pai. O seu pai também semeava trigo e fazia as sementeiras. “Lembro-me que cozíamos pão para nosso consumo, mas eu e a minha mãe carregávamos os burros com pães e levávamo-los numa cesta tapado com um pano e também vendíamos em São Bartolomeu de Messines. Para além do pão a sua família também vendia carvão. Mais tarde a avó Maria foi trabalhar para a fábrica de conservas, perto da Praia da Rocha, em Portimão, onde chegava a ficar meses numa casa dada pelos seus patrões. “Éramos muitas trabalhadoras. Tirávamos a cabeça às sardinhas, depois púnhamos o peixe numa grelha onde era escaldado e estufado e por fim ia para uma estufa. Enfim, hoje já nada disso existe”. De regresso a Lisboa Maria Miguel Neto tinha 87 anos quando o seu marido morreu. Ainda ficou a morar sozinho cerca de 5 anos, mas aos 92 anos de idade achou que seria altura para vir para um lar, porque se sentia sozinha e “velhota”, e reside no lar Dr. Virgílio Lopes, em Santa Apolónia até hoje. “Resolvi vir para o lar porque fiquei velhota. Custou-me muito ficar sem companhia”, disse. Regressámos à sua infância “ Na infância, eu e os meus amigos conversávamos muito, porque naquela altura não havia muitas das coisas como há hoje. Organizávamos bailes e depois íamos todos dançar para casa de alguns vizinhos”. Foi num desses encontros, que aos 16 terá conhecido Manuel Martins Neto, o seu grande amor e o homem com quem viria a casar. “Namorámos durante uns tempos e depois mandei-o falar com os meus pais para lhes pedir autorização para casarmos. Lembro-me bem que o meu vestido de noiva foi feito por Emília Estreia, uma modista em Bartolomeu de Messines”. Mesmo no final da nossa conversa ainda tive tempo para lhe perguntar qual foi o período mais difícil em todos estes anos de vida. “Olhe…pouco já me lembro. Vejo já tudo muito longe e há coisas que já me esquecem. Mas sei que com a minha idade já sou uma pessoa rara e com uma noção ainda mais ou menos…”. Hoje em dia é visitada com regularidade pela sua neta Carla Santos e sempre que possível pelos seus bisnetos. Maria era a do meio de três filhos. Os irmãos chamavam-se Eliseu e Zé. A avó Maria Miguel Neto de 101 anos viveu em tempo de guerras e fome. Assistiu a profundas mudanças na nossa sociedade, política e social. Hoje, relembrou os nomes do amor da sua vida, da sua filha, netos e bisnetos e finalmente dos seus dois irmãos, mas sempre de forma pausada e muito esquecida. O tempo leva-nos memórias e lembranças de vida, que nunca deveríamos esquecer. A longevidade faz com que aos poucos e poucos fiquemos quase sem ninguém. Sem os abraços dos nossos, que tanta falta nos faz. Até já ao meu abraço, que já partiu há muito. Aguardemos a grande festa dos 102 anos da “avó” Maria. - Um agradecimento especial ao Lar Dr. Virgílio Lopes, que é um equipamento da União das Misericórdias Portuguesas e assegura, entre outros, assistência médica e de enfermagem, tratamento personalizado e cuidados especiais a doentes acamados e semiacamados.