Contrabaixista Sofia Neide
Rubrica "Histórias Com Gente" A primeira corda Sofia Neide Afonso Martins Carneiro, 38 anos, natural de Santo Tirso, vive no mundo das artes desde os 11 anos, mas a música terá entrado na sua vida muito mais cedo. Antes de partirmos para a nossa conversa, Sofia carrega o seu contrabaixo que pesa à volta de 25 quilos. Ofereço-lhe ajuda, mas não aceita, porque diz que o faz desde os onze anos de idade. Foi na sua aldeia em Cabanas, no Norte, que a sua vida musical terá começado. “Recordo-me perfeitamente que nas idas com os meus pais ao café da aldeia, havia um senhor que se chamava António e que tocava cavaquinho. A primeira coisa que eu fazia era saltar para cima de um banquinho e de cantar com ele. Tinha dois anos”. Sofia Neide assim que se apanhava em casa punha-se à varanda onde estudada, fazia grandes concertos e como não tinha vizinhos, cantava tocava e dançava para o seu público na altura, os verdes campos. Estava escrito que o seu caminho seria o de uma mulher de artes, porque na escola a sua diretora de turma no ciclo ter-se-à apercebido que a sua escolaridade não estava a ter o aproveitamento que deveria. Não se adaptava aos colegas e tinha alguns problemas de relacionamento. Estes problemas surgiram precisamente porque era diferente dos colegas. Gostava de ler, gostava de música, pintura e tinha sempre muita curiosidade para tudo o que se relacionasse com a arte. “A minha professora soube que tinha aberto uma nova escola, a ARTAVE- Escola Profissional e Artística do Vale do Ave onde ensinavam música. Ela sabia que eu era a melhor aluna a música e terá falado com os meus pais e ter-lhes-á explicado que talvez fosse o melhor caminho para mim!”. Fez-se à estrada e foi prestar provas à ARTAVE. O resultado não poderia ter desfecho mais positivo. A sua candidatura foi aceite e entrou para uma turma de 22 alunos, a única turma do ano da escola profissional de música. Os alunos são convidados a tocar todos os instrumentos para o professor detetar qual o que se adequa mais. Se porventura o aluno já tiver experimentado ou tocado algum dos instrumentos, então o caminho deve ser feito por aí. “No meu caso não tinha tocado ainda nenhum instrumento. Mas cedo comecei a ganhar um amor para a vida, uma grande paixão pelo contrabaixo”. Após terminar o curso, a contrabaixista rumou a Lisboa com apenas dezassete anos o que a obrigou a trazer a mãe para a inscrever, visto ser menor de idade. Entrou na Escola Superior de Música de Lisboa para fazer a licenciatura em contrabaixo. Nota: Antigamente para um músico o título máximo que existia era o Conservatório Nacional de Música de Lisboa. Hoje em dia, o 8.º grau de instrumento é feito no conservatório, mas depois segue-se para o ensino superior para fazer a licenciatura, mestrado, doutoramento, etc… “Assim que cheguei comecei a fazer provas para a Orquestra de Cascais Oeiras onde consegui entrar, mas depois devido a incompatibilidades resolvi sair. Entretanto comecei a procurar trabalho, mas com alguma dificuldade, porque Portugal não é o melhor país para se arranjar emprego na área da música clássica”. Após alguma procura resolveu fazer provas para a Banda de Música da Força Aérea Portuguesa e nunca mais de lá saiu. Em novembro fará 16 anos que lá está. Pergunto-lhe se a música é uma arte maior. “Acho que sim. A música é fundamental e existe desde sempre, não como a conhecemos no presente com toda a estrutura clássica das notas como nós a vemos, mas em termos de ritmos, de sons, de chamamentos. A música é primitiva”. Sofia confessa-me que o instrumento musical tanto pode ser o nosso grande amor, como uma terapia. Para além disso chega ao ponto de fazer parte de nós. Ligamo-nos. O seu contrabaixo tem de dormir sempre sob o seu teto e tem de ser usado todos os dias. “Um músico profissional tem de tocar todos os dias até pela questão técnica. No meu caso sendo um instrumento de cordas sem marcas não temos qualquer referência para a colocação exata dos dedos o que faz com que procuremos constantemente a nossa afinação e se estivermos sem tocar vários dias a nossa afinação desaparece. Os primeiros anos são os mais difíceis. Bolhas nos dedos, posicionamento correto da técnica e dores musculares, mas a partir do momento em que conseguimos contornar essas barreiras as coisas simplificam-se e é nessa altura que começa enfim a surgir a música. A evolução”. A sua maior referência musical foi o seu primeiro professor de música na ARTAVE, Alexandre Samardjiev. É uma referência no ensino de contrabaixo em Portugal e um dos grandes responsáveis por vários talentos portugueses espalhados pelo mundo. Falemos um pouco de palco. “Existe sempre o nervoso miudinho antes da entrada para o palco, porque é precisamente em cima do palco, que tudo pode falhar. Não há concertos perfeitos e essa procuramo-la sempre no concerto seguinte. Tive um professor que nos pedia sempre um minuto de silêncio antes da entrada em palco. Não sou crente, mas confesso que essa parte foi muito importante na minha vida. Com esse minuto aprendi a concentrar-me e a refletir no que ia fazer”. Sofia Neide diz-me que o ensino em Portugal está “ótimo e recomenda-se”, os músicos que acabem um 8.º grau ou ensino superior estão aptos a tocar em qualquer parte do mundo e o país tem das melhores escolas de contrabaixo da Europa. “Temos formado contrabaixistas que têm ganhado os principais prémios a nível mundial e que estão presentes nas grandes orquestras em todo o mundo. A minha grande mágoa é que tal não aconteça por cá, há muito poucas orquestras em Portugal”. Para além disso, Sofia diz-me que no país “a educação não está de todo virada para a cultura, o que é estranho, porque nunca houve tanto investimento para fins culturais o que acaba por ser um paradoxo. Por outro lado, penso que a cultura é confundida com entretenimento e isto sendo demais empobrece o nível cultural das pessoas”. Tivemos ainda tempo para falar sobre o elevado valor dos bilhetes para se assistir a uma ópera e ainda sobre a única sala para assistir. “As famílias não têm dinheiro para poderem assistir a uma ópera e o único local é o Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa. Penso que estamos apenas a dar cultura a quem tem dinheiro, mas questiono-me se as pessoas que têm mais posses são realmente as que têm cultura ou se vão apenas porque fica bem.” “Enquanto músicos, focamo-nos na musicalidade da obra e o que queremos trazer-lhe enquanto instrumentista. A obra é sempre a mesma, mas a forma como estudo o compositor, a obra em si, a época em que se insere, eu enquanto ser humano, a minha personalidade, a maneira como vejo um crescendo, um forte ou um piano, e apesar de haver técnicas de época diferentes, é este conjunto todo que vou trazer como instrumentista para cada obra tocada”. Foi uma das 3 primeiras mulheres a tocar contrabaixo em Portugal. O seu pai musical chama-se Johann Sebastian Bach e a contrabaixista Sofia Neide considera-se musicalmente uma impressionista por natureza, que adorava ter vivido na passagem do século XlX para o XX e poder assistir à grande viragem artística. Poder visitar o Moulin Rogue, em Paris e conhecer o pintor Wassily Kandinsky. Futuramente gostava que houvesse mais espaço para a música contemporânea em Portugal. Nota: Queria agradecer à professora da Sofia Neide por ter tido a coragem de ser a grande responsável por fazer com que ela saltasse para as luzes da ribalta. Não só eu, mas o mundo. ** O Dia Mundial da Música comemora-se anualmente a 1 de outubro. A data foi instituída em 1975 pelo International Music Council, uma instituição fundada em 1949 pela UNESCO, que agrega vários organismos e individualidades do mundo da música