Dia Mundial do Piano: António Vitorino d'Almeida
De uma alma de piano Talvez o Lá, talvez o Sol António Vitorino Goulart de Medeiros e Almeida é compositor, maestro, pianista, escritor e apresentador, tem 80 anos e nasceu em Lisboa. Músico erudito adora partilhar o seu conhecimento com a sociedade em geral. À hora marcada no Auditório Maestro Frederico de Freitas, na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), na data em que se comemora o Dia Mundial do Piano, o maestro começa por contar-me que o seu primeiro piano ainda mora com ele. “Lembro-me perfeitamente do meu primeiro piano até porque ainda o tenho. Aliás, tenho os meus dois primeiros pianos. Um já lá estava quando nasci, e não sei bem se seria dos meus avós ou até mesmo dos meus bisavós. O outro deram-mo quando tinha seis anos. Este infelizmente morreu. Há uma coisa que as pessoas desconhecem. Os pianos morrem. Há uma madeira tosca na parte de baixo do instrumento que se rachar quando os afinadores põem as chaves nas cravelhas nunca mais as conseguem afinar. Pode eventualmente levar uma madeira nova, mas a alma nunca mais será a mesma”, conta-me. Foi o que se passou precisamente com um dos seus pianos há cerca de um ano “uma cena felinesca”. Após este incidente, as suas três filhas, Maria de Medeiros, Inês de Medeiros, e Anne Vitorino D'Almeida, juntaram-se e ofereceram-lhe um piano vertical que é onde trabalha atualmente. Pergunto ao maestro se o piano foi uma paixão à primeira vista ao que ele me respondeu que “nunca fui de amores à primeira vista, aconteceu. Aliás quando era pequeno na moradia de família perguntavam-me muitas vezes se não gostava de brincar com o piano e eu costumava responder que não gostava de brincar com o que não sabia fazer. Nunca gostei de fazer o que não sei”. O seu primeiro instrumento foi uma bateria que lhe foi oferecida por uma professora de piano que vivia em Paris, amiga da sua mãe. A professora fez força junto da sua mãe para que António Vitorino D’Almeida estudasse música. O maestro confessa que ainda hoje adora instrumentos de percussão, até porque ainda escreve peças para percussões. Mas a conversa de hoje é sobre piano. “O piano é sem dúvida alguma um amigo e um grande companheiro de vida. Atualmente é a minha companhia em conjunto com os meus cães e canários”. Pergunto-lhe se considera um concerto como uma longa viagem e responde-me que gosta mais de tocar piano do que viajar e que do que gosta é de já ter viajado. Não só quem está na plateia observa. “O público é uma entidade que pode ser extremamente simpática e mesmo até comovente. Por outro lado, pode até estar a ouvir um músico pela primeira vez, mas se for um ouvinte fanatizado torna-se um público chato”. Mas de um modo geral gosto muito do público e um músico tem de saber dar a volta aos seus ouvintes. A questão é que quem assiste pensa que apenas eles observam quem está no palco, mas esquecem-se que do palco também se vê”. A conversa continua agradável e pergunto ao maestro qual o momento de palco mais marcante e emocionante de toda a sua vida. “O momento mais emocionante da minha vida aconteceu durante a estreia da minha primeira sinfonia de nome Benfica, gravada na Bulgária e apresentada com orquestra no concerto que dei na sala mítica do grande Coliseu dos recreios, em Lisboa. No final do concerto quando estava a agradecer os aplausos ouvi um burburinho ao fundo da sala e de repente vejo alguém a correr em direção ao palco, perseguido pela polícia. Era um homem espanhol que trazia a águia do Benfica, fintou-os todos, conseguiu chegar ao palco e entregou-me a águia de doze quilos. Ergui o braço com a águia na mão em pleno Coliseu. Foi o momento mais bonito em palco”. “Considero triste e lamentável o Benfica ser o único clube do mundo com uma sinfonia e nunca lhe terem ligado”. Benfiquista de coração, mas completamente contra fanatismos, tanto que neste momento até torce para que o Porto seja campeão europeu, o compositor revela-me que, já homem, quis ser zoólogo, e o momento com a águia no Coliseu foi para si como uma consagração. De regresso ao piano. “Em Portugal a ignorância serve de argumento. Eu não sei, logo tenho razão”. Vivemos num país sem música onde existe uma Fundação Gulbenkian que tem orgulho em que eu faça um concerto por semana, ora em qualquer capital europeia há pelo menos dez concertos por dia. E estes problemas são matéria para os ministros da Cultura que vivem “amputados”. No final da entrevista pergunto-lhe se tem alguma nota preferida ao que me responde “talvez o Lá, talvez o Sol, mas todas elas são importantes”. FIM NOTAS: O Dia Mundial do Piano é dos intérpretes, compositores, construtores, afinadores, promotores e do ouvinte. É celebrado no 88.º dia do ano. Em 2021 celebra-se a 29 de março.